Confira abaixo o artigo de Celso Visconti Evangelista, superintendente-médico da Qualicorp, publicado nesta segunda-feira (24) pelo jornal Correio Braziliense.
A atenção primária e a mudança no modelo de saúde
Muito se tem discutido a respeito das mudanças necessárias no modelo da saúde suplementar. Um dos mais importantes pilares desse debate é o resgate da imagem do médico de família, ou médico generalista, atuando como porta de entrada para o sistema de saúde.
No Brasil, o sistema foi organizado com base em uma cultura da liberdade do acesso às especialidades, em que o usuário é atendido por um profissional com qualificação restrita à sua área de atuação. A questão é que, tradicionalmente, o consumidor enxerga nisto um benefício. E agora se sugere indicar o médico generalista como porta de entrada para o sistema de atendimento. Assim, não se pode descuidar da valorização deste médico. A busca por profissionais experientes para a função será essencial. Mas, como se dá a aquisição da experiência clínica na atividade médica?
A atuação médica é complexa, e pauta-se em intervenções muito abrangentes. Desde aspectos educacionais, apoio emocional, cuidados pessoais, até as ações mais invasivas, que se dão por meio de medicamentos e de procedimentos cirúrgicos. A decisão quanto a que tipo de ação deve ser adotada orienta-se na formulação de diagnósticos e no perfil do próprio paciente. Ou seja, é na boa caracterização da tríade: prescrição, diagnóstico e paciente, que depende a qualidade do resultado da atenção à saúde. Aí está o porquê da importância da experiência do médico.
São dezenas de dias de treinos necessários para adquirir habilidade para realizar uma intervenção. Centenas de dias para assimilar o entendimento quanto à situação em que tal intervenção deva ser executada. Entretanto, milhares de dias passarão até que se tenha a sabedoria para perceber quando a intervenção, ainda que formalmente indicada, não deva ser feita. São três fases na evolução da experiência médica. O tempo servindo para ampliar o conhecimento, aprimorar e refinar o saber, além de possibilitar a qualidade da experiência.
Protocolos, algoritmos, exames, tecnologias; o médico moderno é bombardeado por inovações, congressos, simpósios, publicações científicas etc. Sob pressões para manter-se atualizado, não há interesse comercial para se investir na aquisição da sabedoria da arte médica. Uma armadilha que favorece a ausculta da narrativa da doença e negligencia o diálogo com o doente. Surge, então, a oportunidade para a invasão da inteligência artificial na área da saúde. Médicos bem treinados ameaçados por máquinas cognitivas bem programadas. Todavia, interpretar a linguagem de um doente é algo refinado, requer a perspicácia e a ousadia que só o mais alto nível de experiência pode propiciar, algo que está além do alcance dos robôs.
No mundo médico pós-moderno, a instância onde se preserva um ambiente propício à aquisição desta experiência no sentido mais ampliado é exatamente a atenção primária. Por esta razão não haverá dificuldade em engajar o cliente, nem se evidenciar o ganho de qualidade com a implantação de um modelo assim organizado, desde que estruturado com médicos experientes e de alto nível e, consequentemente, valorizados de forma correta.
E há algo mais, de grande relevância, a se acrescentar: haverá um notório ganho de efetividade no trabalho do médico especialista, tendo em vista que o seu acionamento se dará de forma mais adequada. É fundamental a integração entre o médico generalista e o médico especialista para este modelo ser bem-sucedido.
Celso Visconti Evangelista é formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em Medicina Preventiva. Atualmente é superintendente-médico da Quali e responsável técnico pelo QualiViva, programa de atenção à saúde